No setor de mídias sociais, algumas poucas empresas passaram a deter o monopólio de tempo e de atenção dos usuários. Empresas como Google, Meta, TikTok e Twitter e seus principais produtos, incluindo Facebook, Youtube e Instagram vem se expandindo rapidamente e são responsáveis por grande parte do entretenimento das pessoas durante o dia a dia.
O problema desse modelo atual é que o usuário não possui o controle de seus dados. O seu perfil nessas redes não é de fato seu. Na verdade, eles são posse dessas poucas empresas, o que acaba implicando em um risco sistêmico gigantesco.
Elas têm o direito de moderar o feed, remover conteúdo que não se encaixa nas regras estabelecidas e na pior das hipóteses, banir usuários. Isso tudo seguindo seus próprios critérios ou através de ordens vindas de terceiros, como governos autoritários. Além disso, existe o risco de vazamento ou venda dos dados dos usuários por hackers ou agentes mal intencionados quando essas bases de dados são invadidas.

Mas antes de nos aprofundarmos em como um modelo descentralizado impactará as redes sociais, é importante contextualizar melhor sobre esse segmento. Hoje, existem cerca de 3,8 bilhões de usuários de mídias sociais. Com o acesso a smartphones cada vez mais baratos em todo o mundo, esse número só tende a crescer cada vez mais.
Essas aplicações mainstream atuais foram beneficiadas pelo “efeito rede”, que basicamente significa um aumento cada vez mais rápido do nível de adoção de uma plataforma conforme ela for sendo utilizada por mais pessoas. Quanto maior elas forem, mais facilidade terão para atrair novos usuários e mais difícil será para que elas caiam em desuso.
Outro ponto que vem contribuindo bastante para a consolidação dessas plataformas é o processo de digitalização do mundo. A pandemia acelerou esse processo e a cada ano que passa nosso tempo dedicado ao digital vem aumentando. A projeção, segundo a ARK Invest, é que até o ano de 2030 metade de nosso tempo seja gasto online.

Fonte: ARK Invest
Essas métricas indicam que, em geral, há uma grande dependência das pessoas por plataformas de redes sociais. Mas então porque elas são “gratuitas” para os usuários? Como essas empresas valem bilhões de dólares e não cobram pela utilização de seus serviços?
Isso só é viável por conta do modelo de negócios utilizado por elas. Para essas empresas, o usuário final não é seu cliente, mas sim o seu produto. A estratégia delas é lucrar em cima dos usuários através da captação de seus dados e informações pessoais como comportamento e hábitos de consumo, para que possam vender sua atenção aos anunciantes mais adequados. Quanto mais informações dos usuários elas absorvem, mais conseguem aumentar a assertividade dos anúncios entregues, de forma que possam direcioná-los a quem tem maiores chances de clicar e que esse clique se converta em vendas de produtos ou serviços. E quanto maior a assertividade, maior o preço que eles podem cobrar em cima desse serviço e mais elas se destacam das plataformas concorrentes para os anunciantes. Já o usuário final é usado e não recebe nada em troca.
Um exemplo simples é o Youtube direcionar anúncios de certa corretora de investimento apenas para homens, do estado de São Paulo, com idade entre 20 e 26 anos, com formação superior e que têm interesse sobre finanças e investimentos. Isso só é possível porque o Google, dona do Youtube, absorve esses dados pessoais de seus usuários a partir de várias estratégias de captação.
É exatamente isso que aplicações de redes sociais descentralizadas querem mudar. Esse novo modelo abre precedentes para os usuários terem consigo suas identidades virtuais e não as empresas. Dessa forma, os usuários podem ter a liberdade de escolher quais plataformas devem compartilhar os seus dados. Além de também poderem ter uma maior personalização, como quais dados serão cedidos e por quanto tempo.
Explicando na prática como isso altera o modelo que conhecemos atualmente: digamos que um usuário do Instagram tenha seu perfil pessoal na rede, o qual foi construído durante anos. Ele tem centenas de posts, milhares de seguidores e bastante audiência e engajamento. No momento em que ele quiser criar uma conta no TikTok, terá que começar do zero. Ele terá que seguir novamente todos os seus amigos e postar novos conteúdos. O TikTok e o Instagram não conversam entre si, pois possuem sistemas independentes e os dados dos usuários são válidos somente em seus ecossistemas internos.
Imagine a simplicidade e o tempo economizado caso fosse possível fazer com que todos os inscritos de um canal do YouTube seguissem instantaneamente uma página do Instagram da mesma marca. Nesse novo modelo isso é possível, pois existe uma divisão entre “identidade digital” e plataformas de redes sociais.
Além dessa questão, temos também o fato de que mesmo com uma conta do Instagram bem desenvolvida, você fica vulnerável a decisões da empresa. Mudanças no algoritmo que prejudicam seu alcance, na política de monetização de seus conteúdos, até suspensões e banimentos sem motivações claras. Essas são apenas algumas das desvantagens do modelo atual.
Nesse novo modelo descentralizado, os problemas mencionados acima como vazamento de dados do sistema por hackers e a censura de usuários por governos ou as próprias empresas são mitigados. O primeiro você descentraliza a custódia das informações de forma que para ter acesso aos dados o hacker terá que roubá-los individualmente de usuário por usuário, não sendo necessário “apenas” acessar uma única base de dados com as informações de todos. Já o segundo, pois mesmo que exista um consenso de quem pode ou não utilizar ou o que pode ser postado em certa plataforma social, o usuário não é privado de sua identidade digital, ou seja, o conjunto de dados que compõem seu perfil como seguidores e fotos postadas, de forma que ele pode manter isso e seguir para outra rede sem ter que começar tudo do zero.
Outro detalhe importante de mencionar é que esse conceito tem como base aplicações sociais open source. No universo descentralizado, todos podem ver e conferir como o algoritmo de certa plataforma social foi programado, diferentemente das atuais redes, que são uma verdadeira caixa preta. Isso, além de trazer uma maior confiança por parte dos usuários, permite que qualquer um que não esteja satisfeito com a plataforma descentralizada em questão em um ponto específico possa propor uma discussão da comunidade através de uma proposta de governança para que certo ponto seja alterado depois de uma votação dos membros. Na última circunstância, alguém ainda pode literalmente copiar o código todo do protocolo, alterar o ponto de insatisfação e lançar sua própria aplicação como concorrente da original. Esse fato diminui drasticamente as barreiras de entrada de novas alternativas e aumenta o poder de escolha do público em decidir qual é a melhor para cumprir suas necessidades.
E por fim, mas não menos importante, esse modelo permite que os usuários sejam recompensados financeiramente por agregarem valor ao ecossistema. Como dito acima, hoje todo ou grande parte do valor gerado pelos usuários vai diretamente à empresa dona da rede em questão. Em um modelo descentralizado de redes sociais, existe a possibilidade de um usuário ser diretamente remunerado pelos anúncios visualizados ou de um produtor de conteúdo monetizar seu conteúdo sem a intermediação e as consequentes taxas envolvidas nesse processo.
No modelo atual os criadores de conteúdo muitas vezes são forçados a fazer suas próprias postagens publicitárias para se sustentarem ou em alguns casos, recebem “recompensas” apenas na forma de um status social, como o “curtir” no Instagram, que não possui valor monetário. A taxa das receitas geradas pelos produtores de conteúdo que ficam com a plataforma é de cerca de 40% no Youtube e de 100% no Facebook, Instagram e Twitter. Isso dialoga com a frase dita por Ritchie Torres, congressista dos EUA: “Você sabe que algo está profundamente errado com nossa economia quando as Big Techs cobram taxas maiores do que a máfia”.
Atualmente, já existem algumas soluções para esse mercado de redes sociais descentralizadas, porém todas ainda estão em fase inicial. Muitos pontos devem ser desenvolvidos para que essas aplicações alcancem o mesmo “efeito rede” que as redes que conhecemos atualmente. Entre eles, estão o problema de congestionamento da blockchain e as altas taxas de transação, a necessidade de uma melhoria da UX do usuário, a necessidade da posse de uma wallet e os riscos implícitos que isso carrega, entre outros.
Entre as redes sociais descentralizadas, a mais famosa é o protocolo Lens, desenvolvido pelo mesmo time da Aave e que funciona na rede da Polygon. O Lens Protocol permite o desenvolvimento de redes sociais descentralizadas de diferentes finalidades em que todos os dados dos usuários ficam registrados em forma de NFT, sendo válidos em todas as aplicações inseridas em seu ecossistema.
Alguns exemplos de aplicações que integram o Lens Protocol podem ser visualizadas na imagem a seguir. A ideia é que ele se expanda, trazendo novos desenvolvedores com novas ideias, que se convertam em boas aplicações para os usuários.

Outro ponto interessante do projeto é a forma como eles abordam a questão de experiência do usuário. Eles desenvolveram uma API que permite que os usuários façam transações sem pagar tarifas, aproximando a experiência de uma mídia social na Web 2. Isso é válido internamente em certos aplicativos, como o Lenster ou o LensFrens.
Embora a desvantagem de usar a API sem gás seja que os usuários dependem dessa retransmissão para propagar por toda a rede seu post, essa compensação vale a pena, já que as postagens de mídia social não exigem o mesmo nível de segurança e velocidade das transações financeiras. Essa flexibilidade é definida no Lens por um período de até uma hora para se postar oficialmente as transações on-chain, evitando períodos com taxas de gás mais elevadas.
A ideia é que com o tempo, novos desenvolvedores sejam atraídos e tragam consigo soluções que agreguem cada vez mais o ecossistema.
O processo de adoção desse novo modelo, seja pelo Lens Protocol ou por outra solução, deve ser lento nos momento iniciais, porém tudo indica que vai crescer de forma exponencial com o tempo. Só nos resta abraçar essa nova tendência que muda a forma de nos relacionar socialmente e aguardarmos até que ela vire mainstream.
Por Henrique Ayello – Web3 Analyst | viden.vc